terça-feira, 18 de maio de 2010

PRESSA DE QUÊ? de Lisélia de Abreu Marques

Todo dia ouço alguém comentando e até reclamando da aceleração do tempo. Tomo por mim, até os anos 80 eu conseguia acompanhar a velocidade do tempo. De lá pra cá, principalmente depois do ano 2000 a coisa desandou. Estes últimos 10 anos voaram. Quase não dá para acreditar que já se passaram 10 anos do século 21. Todos comentam que estão sentindo a aceleração do tempo e esta aceleração está afetando o seu dia-a-dia, a sua vida social e familiar. Dizem que esta aceleração está pressionando, forçando a acelerarmos junto com o tempo para darmos conta de fazer o que fazíamos antes, tranquilamente, num mesmo período de tempo.

Acompanhando os comentários sobre a aceleração do tempo vem as possíveis explicações para o fato e a negação de que esta aceleração seja real. Dizem os cientistas que os relógios não disseram nada a respeito e continuam, atomicamente, marcando os minutos de sempre e que a nossa percepção da realidade, neste caso, está enganada.

Para justificar este ponto de vista usam explicações psicológicas das mais variadas. Uns especulam sobre a “novidade e a repetição dos eventos” e exemplificam falando que quando a gente vai a um lugar desconhecido pela primeira vez, demora um tempão pra chegar lá e das vezes seguintes a gente vai rapidinho. No relógio marcam os mesmos minutos, todas as vezes, mas a nossa sensação de tempo muda. A explicação é uma verdade. A repetição dos eventos muda a nossa sensação pessoal de tempo. Concordo.

Outra explicação boa é da idade do observador. Pra um bebê de um ano de vida. Um ano é uma vida inteira. Já aos dois anos, um ano é só meia vida. E aos 10 anos de idade, 1 ano é só 10% da vida que ele já viveu. Aos 40 anos, 1 ano é 1/40 avos da nossa vida. A idade, realmente, muda a nossa perspectiva com relação ao tempo. Os mais jovens sentiriam o tempo passar mais lentamente e os mais velhos sentiriam o tempo mais rápido. Mas pergunta pra uma criança o que ela acha disso? Elas também sentem que o tempo está voando.

Eu, pessoalmente, chego a pensar que fomos nós quem aceleramos as rotinas diárias e, sem perceber, projetamos esta aceleração na nossa percepção do tempo.

Neste caso, teríamos uma percepção falsa coletiva, ou melhor, artificial, criada pela aceleração do movimento que impusemos ao mundo moderno. Nós criamos máquinas e mais máquinas para fazer tudo mais rápido. Imediatamente, instantaneamente, se possível. Carros, aviões, computadores, celulares. Pensou, chegou.

Antigamente precisávamos de muito mais tempo para realizar as tarefas. Se alguém queria registrar uma imagem, precisava de tempo para pintar um quadro. Hoje nós temos câmeras digitais que registram centenas de imagens em instantes.

As distâncias que eram percorridas em dias ou semanas hoje são percorridas em alta velocidade. Atravessamos o mundo de lado a lado em horas!

A comunicação pessoal que era por carta, através dos correios hoje é imediata por e-mails, MSN, SKYPE, etc.

A informação que demorou muitos séculos para se organizar, hoje é produzida e distribuída em alta velocidade. Nós aceleramos o mundo. E, talvez, agora, estejamos nos sentindo atropelados pela velocidade que imprimimos à sociedade.

A “imediatice” das coisas, decretou a morte da pausa. Esperar uma resposta, uma carta, esperar um execução de tarefa se tornou sinônimo de tempo perdido, de lerdeza, de ineficiência, de improdutividade.

A natureza tem seu movimento natural de ação, pausa e resultado. É na pausa que a transformação acontece. Coloca-se a semente na terra e pausa para germinação. Sova-se a massa do pão e pausa para a massa crescer. A pausa é o que marca o final de uma fase e o começo de outra. É o período de descanso, de comemoração da etapa terminada, de descanso para se começar uma nova fase.

Mas no mundo atual não há pausas, intervalos ou descanso. As cidades não param, o transito não para, as fábricas não param e nos orgulhamos de nossa produção incessante, não observando o ritmo natural das coisas, ou melhor, atropelando o ritmo natural como se as pausas fossem falhas na produção, retardo nos resultados, ineficiência. E sem intervalos o tempo fica intermitente, incessante, simplesmente não para nunca, não finaliza, não recomeça, se mostra imperativo num eterno continuum. A pausa é o período necessário para o amadurecimento, mas o mundo moderno não chega a amadurecer. A gente come verde, come cru, come frio, come em pé e engata um movimento no outro como uma máquina, sem interrupção.

Uma das intenções com relação às máquinas era que colocando as máquinas para trabalhar por nós, teríamos mais tempo livre para o lazer, a família, os hobbies, o prazer. Mas o que está acontecendo é que não funcionou assim. Hoje além de termos que correr para acompanhar a velocidade das máquinas, elas, também, roubaram a cena doméstica.

Nós passamos grande parte do nosso dia trabalhando para, em última análise, poder consumir. E consumimos, comprando TVs modernas e grandes, comprando assinatura de TVs a cabo, comprando notebooks, comprando celulares, comprando videogames, internet. Isto quando conseguimos decidir qual equipamento comprar, pois todo dia lançam o melhor, o mais novo, o mais moderno, o mais eficaz e não querendo ficar para trás comprando um equipamento que ficará obsoleto em 6 meses nos angustiamos para acompanhar a velocidade do mercado. Não podemos esquecer de mencionar aqui os automóveis, que tem o modelo do ano seguinte lançado em abril do ano corrente. No segmento automobilístico, o futuro chega antes. Bom slogan.

Finalmente, depois de tudo comprado, chega a hora de desfrutar do nosso conforto merecido e nos momentos de descanso em casa com a família, nos retiramos, nos apartamos dos demais e vamos para o nosso computador “de última geração” e nele criamos personagens que habitam e se relacionam com outros personagens nos mundos virtuais, e, inconscientemente, quase sem notar, acabamos trocando vida real por vida virtual, ou seja, vida real por arremedo de vida.

E se não fosse isto, ruim o suficiente, dedicamos o tempo - que seria para o convívio com a família, com os amigos, com as pessoas, com os nossos animais de estimação - para os objetos, as máquinas, as coisas.

Mas o mal não para por aí. Estes mesmos objetos de desejo acabaram se transformando em nossos fiscais e cobradores, em nossos bedéis. Por nos acompanharem, em todos os momentos, são utilizados para nos sinalizar os compromissos com suas agendas e bips, nos encontrar onde quer que estejamos, nos chamar ao trabalho, interromper nossos poucos intervalos, nossas raras pausas, nossos breves momentos de descanso. Onde quer que estejamos somos encontrados e convocados a fazer, a cumprir, a realizar tarefas sem parar, exatamente como as máquinas que criamos.

Parece uma epidemia. As demandas se aglomeram à alta velocidade e os “fazedores”, com suas listas de tarefas em punho, se somam aos milhares, enquanto tentam cumprir uma agenda cada dia mais apertada e corrida na ilusão de ser alguém na vida, numa vida sonhada para se realizar num futuro distante que só irá se concretizar se sacrificarmos o nosso presente. Então, sacrificamos o dia de hoje para “sermos alguém” amanhã, como se hoje não fossemos nada, nada além de máquinas humanas cumpridoras de demandas.

Não sejamos tão negativos, algumas vezes chega o dia em que finalmente somos considerados “alguém na vida” e quando este dia chega, somos importantes demais, ocupados demais, indispensáveis demais e, então, não podemos estar com quem amamos “porque não dá tempo”.

Acabamos criando uma armadilha e ficamos presos nela.

A falta de tempo nos angustia, nos pressiona, nos faz sofrer, e se há um momento em que o tempo desacelera violentamente, é quando estamos sentindo dor, quando estamos sofrendo. Aí o tempo não passa. Fica parado naquela dor. Eis o mecanismo de homeostase para esta loucura. O equilíbrio se torna mais necessário, mais duro quando o desequilíbrio está grande.

Se a vida fosse um carro acelerado, eu diria que a desaceleração pode se dar de três jeitos: Antevendo os fatos, os obstáculos, o motorista reduziria a velocidade antes do choque causado pelo desequilíbrio que esta alta velocidade trás, ou seja, reduziria a velocidade antes de comprometer a saúde física, emocional, familiar, psicológica. Outra opção é deixar para frear em cima da hora, numa emergência, como no caso de um infarto, de um câncer ou divórcio. E a ultima opção, seria o próprio choque. O famoso “não parou por bem, parou por mal.” Nas horas em que paramos em decorrência de um choque de realidade, como quando o filho se envolve no narcotráfico ou ocorre uma enchente, um desabamento, um terremoto e imediatamente a vida muda de perspectiva e o que é realmente importante volta a cena. As pessoas, as vidas, o alimento, o abrigo tudo volta ao seu tamanho real.

Todas estas perspectivas são lógicas e plausíveis. Mas será que, realmente, explicam a sensação de aceleração do tempo?

Será que tudo não passa de uma percepção alterada da realidade, motivada pelo nosso estilo de vida acelerado? Aceitar isto é aceitar que nós aceleramos o tempo, ou melhor, que nós criamos o tempo, pois o tempo do relógio, da rotação e da translação dos astros não é tempo, é movimento e só existe a concepção do tempo na mente humana.

O relógio é o movimento dos ponteiros, o dia é o movimento da Terra ao redor do seu eixo, o ano é o movimento da Terra ao redor do Sol, as horas são frações deste movimento. São pequenos movimentos. E o tempo? O que é o tempo? Imaginação?

Se o tempo é uma criação mental nossa em relação ao movimento. E a aceleração ou desaceleração são atributos do movimento, uma movimentação nossa, uma aceleração imprimida nas nossas atividades diárias, na nossa sociedade, no nosso mundo atual poderia estar impregnando a nossa criação mental chamada tempo. Sendo assim, o tempo pode ser pessoal e coletivo, circunstancial e não haveria relógio no mundo que conseguisse marcar a sensação de tempo que estamos sentindo coletivamente.

Nesta linha de pensamento, se nós aceleramos os movimentos com toda a nossa tecnologia e isto influenciou a nossa percepção do tempo. Desacelerando a velocidade dos nossos movimentos, “o tempo passaria mais devagar”. Se não fizéssemos nada, passássemos o dia descansando, a sensação de tempo mudaria e o dia seria lento, lento. É assim que acontece? As suas férias demoram uma eternidade? O seu domingo, jogado no sofá, vendo TV, não acaba nunca? E não sei quanto a você, mas os meus fins de semana parecem horas, as minhas semanas não passam de 3 dias e os meus meses não chegam a duas semanas e meia. Um mês de férias não dá nem pra começar.

Se o tempo não desacelera quando eu desacelero, ele existiria, então, como uma instância independente? Será que o tempo é apenas uma sensação mental ou ele existe de alguma forma? E se existe, ele está com pressa de que, pra correr tanto?

Se o tempo existe independente de mim e todos sentem que ele está acelerado, negar isto não é saudável. Negar a percepção de uma “realidade” cria confusão. Será que é apenas um descompasso, uma incapacidade dos nossos relógios de mensurarem a dimensão na qual, nós humanos percebemos o tempo? Tornar as máquinas mais eficientes talvez fosse o caminho para sincronizar o tempo do relógio com o tempo da percepção humana. Os nossos relógios que servem para medir o tempo nos dizem que 60 minutos demoram 60 minutos para passar.

A minha mente, que também tem um” relóginho” pessoal não concorda com isto. No “relóginho” da minha mente, 60 minutos estão passando em 40. O mais provável é que o relógio físico esteja certo. E o meu acelerado. Então, quem acelerou fui eu, mesmo que eu esteja parada, sem fazer nada, assistindo TV. Se não são, então, os meus movimentos físicos que aceleram ou desaceleram o meu relóginho mental, que movimento meu faz isto?

Se não é o meu corpo, seria a minha mente? Será que a mente humana estaria acelerada, teria dado um pulo, avançado em relação às gerações anteriores? Será velocidade, evolução? Pensou, está pronto. Pensamento e movimento juntos.

Se há alguns anos eu não sentia o tempo passar assim, quer dizer que este movimento acelerado da minha mente começou a acontecer recentemente. Então, este “salto evolutivo” estaria acontecendo agora, neste período, nestes últimos translados ao redor do Sol.

Será que a minha mente acelerou e o meu corpo não está dando conta de acompanhar? Será que estes meninos e meninas hiperativos são frutos da evolução da espécie? Alguém chame o Darwin, pra mim, aí, por favor!

Se hiperatividade fosse bom, não teria que tomar remédio pra desacelerar.
Quando caminhamos por um parque, observamos os jardins e detalhes da calçada, vemos as pessoas que passam e sentimos a brisa e o calor do sol. Fazendo o mesmo percurso de moto, as coisas mudam. A medida que aumentamos a velocidade, somos forçados a focar a nossa atenção nos obstáculos que insistem em se aproximar de nós enquanto desviamos deles como num joguinho de videogame. A velocidade imprime pressão ao passeio por conta disto. E, enquanto nos preocupamos com os obstáculos, perdemos de olhar para as flores.

Da mesma forma, vivendo uma vida acelerada, temos a nossa atenção mais direcionada aos obstáculos do que às flores. Isto é o mesmo que dizer que perdemos qualidade de vida. Hoje, a quantidade de eventos, informações, atividades que desfilam na nossa vida em alta velocidade age como obstáculo à qualidade de vida.

Estamos indo mais rápido para onde? Hoje em dia não dá tempo de envelhecer. Por conta de uma vida repetitiva tivemos muito do mesmo e poucas experiências originais e, exatamente, por conta disto ficamos com a sensação de ter vivido pouco, nos sentimos jovens e sedentos por mais vida, mais experiências. E, é cada vez mais freqüente vermos “idosos” ativos, fazendo até paraquedismo. Aos 40 anos nos sentimos, ainda, meninos e meninas.

Mas uma coisa eu sei, acelerando, vamos mais rápidos em direção ao fim, à morte.

Então morremos velhos no corpo e jovens na alma e muitas vezes tendo poucas vezes visto as flores ao longo da estrada. Será isto evolução ou degeneração da qualidade de vida?

Em defesa da qualidade de vida, alguns movimentos “Slow” surgiram pelo mundo afora buscando resgatar uma velocidade sadia para os eventos. Tempo para comer, tempo para dormir, tempo para viver no presente. A aceleração do tempo nos remete sempre a uma busca frustrada pelo futuro. O que queremos parece estar sempre além da linha do horizonte. E precisamos correr para chegar lá antes que o sol se ponha e o horizonte desapareça. Talvez esteja aí, a nossa ilusão. O motivo da nossa aceleração. Tentamos chegar ao futuro antes que ele se torne presente, pois acreditamos que o nosso pote de ouro está lá longe, no final do arco-íris. Ilusão, ilusão, ilusão. Corremos atrás de ilusões, de miragens no deserto, e correndo deixamos de ver as flores e quando percebemos a viagem chegou ao fim e ao invés do pote de ouro, encontramos, ao final do dia, inevitavelmente, a dona morte, nos esperando para irmos dormir.

Afinal de contas, você está com pressa de quê?